Pela primeira vez em um bom tempo eu decidi retornar aqui para falar sobre esse esporte que sempre me encantou, algumas vezes mais e outras menos, mas que nunca trouxe tantas emoções ao mesmo tempo como nesse mundial. Em um contexto tão amargo como o dos últimos anos que vivemos, e ainda mais difícil para algumas pessoas que são tão queridas para nós nesse mesmo ano, chegamos a um mundial sem favoritos diretos, com muitas possibilidades para países que nunca pisaram no pódio, ou que não pisam neste mesmo lugar há décadas.
Eu poderia falar de todos os resultados em geral, mas cada um pode tomar seu tempo de pesquisar eles na Wikipedia. O que me interessa aqui é o time brasileiro e a participação das nossas meninas em Sofia—e também falar de tudo que eu senti nestes últimos dias.
INDIVIDUAL
As nossas duas ginastas tiveram uma participação que foi de altos e baixos, bastante agridoce para alguns, e um pouco mais feliz para outros.
Bárbara Domingos, que é o grande nome da nossa ginástica dos últimos anos e que conseguiu as melhores posições para uma ginasta brasileira em mundiais, teve um ano complicado por causa da cirurgia que fez, da longa recuperação, e de ter que chegar agora no fim da temporada sem ter tido muito tempo de corrigir suas séries a tempo do mundial, e de poder ter uma preparação que lhe deixasse na melhor forma para a competição.
Eu vi ela no treino-controle uma semana antes do mundial, e acredito que o ponto alto do rendimento dela foi atingido ali, porque pudemos ver as quatro séries da Babi com muita desenvoltura, boa execução em praticamente todas as dificuldades propostas por ela, e bastante polidez em todas as suas rotinas.
Porém nos dois dias das classificatórias nós vimos uma Babi sem brilho, talvez sentindo a preparação mais corrida que ela teve para esse mundial, e sem conseguir mostrar o melhor trabalho dela.
Não tenho dúvida alguma que em um bom dia ela poderia ter entrado na final do Individual Geral, e quem sabe, até na final da fita, pois ela acabou ficando com uma das melhores notas de artístico nessa série entre todas as ginastas da competição. Para os meus olhos as séries da Babi são muito competitivas a nível mundial, e ela tem grandes chances de ser uma das candidatas ao ouro nos Jogos Pan-Americanos do ano que vem.
Só que ela tem que chegar inteira para a competição.
Penso que talvez o calendário que foi oferecido a ela tenha ficado muito apertado, com o Campeonato Brasileito numa semana seguida de uma WCC, onde o rendimento dela já caiu. Somando isso aos treinos na Bulgária que ela fez, as mudanças nas séries para se adequar ao máximo nos parâmetros das bancas de arbitragem, me parece que faltou tempo para ela poder chegar inteira no campeonato, descansada, pronta para alcançar outro pico no rendimento dela.
Essa situação toda é uma pena, mas a vida é assim, e novas oportunidades virão para ela.
Por outro lado com a Geovanna Santos, a Jojô, vimos uma estreante em mundiais fazendo uma competição muito boa, mas que acaba me lembrando do modus operandi dela— uma série acaba sempre sendo vítima de um infortúnio, como a bola aqui em Sofia. Sem aquela falha na bola, veríamos ela no Individual Geral também, não tenho dúvidas.
Mas há também que se dizer que a Jojô competiu muito bem. Em especial no segundo dia, onde as séries mais expressivas dela estavam. A gente não viu ela com medo do tablado, pelo contrário, ela é uma das meninas que mais garra tem ao competir, e dentro de quadra nós vemos a Jojô como um furacão. Em nenhum momento eu senti ela mal-preparada para o mundial, talvez fruto do seu tempo de descanso desde o Brasileiro até agora, e da recuperação de uma lesão, o que possibilitou que ela conseguisse alcançar outro pico de rendimento em Sofia.
Acredito que ela também tenha muitas chances de se colocar como uma das favoritas para medalhas em competições do nosso continente, como ela foi esse ano. E também vejo ela com chances de alcançar finais mundiais, o que seria mais do que histórico para nosso país. Alguém já cogitou a possibilidade de duas brasileiras em um Individual Geral?
Acho que a trajetória dela nessa temporada foi muito produtiva, e mostrou uma progressão incrível, de uma ginasta que entrou sem grandes expectativas para o ano, mas que mostrou desde a primeira competição que estava muito preparada para encarar todos os desafios propostos. E também pudemos ver como ela conseguiu evoluir a montagem das séries a ponto de colocar os elementos que melhor poderiam ser avaliados pela banca, sempre tentando espremer o máximo de pontos possíveis em cada rotina.
De cara para o resto do ciclo, vejo essas duas meninas como ponteiras importantes para o time brasileiro, e com muitas possibilidades de resultados inéditos que podem vir das mãos delas. Mas nós sabemos que existem outras tantas da categoria adulta, e da juvenil também, que não vão deixar essa disputa por vagas ser fácil.
Ainda veremos ambas competindo esse ano nos Jogos Sul-Americanos, onde espero muitas medalhas com o nome delas.
CONJUNTO
Antes de eu dizer qualquer coisa sobre o conjunto, eu queria deixar claro que me emocionei muito, como nunca antes. Mas esses bons resultados não me vieram como uma surpresa. O que veio como a maior surpresa para mim foi o fato de que o nosso conjunto ficou ratificado no mundial com a série com mais alta dificuldade da competição toda. TODA. Ninguém, seja individual ou conjunto, tirou uma nota de dificuldade maior que a nossa. E sinceramente? Meu queixo caiu.
Não que eu não soubesse do potencial das séries, pois eu faço fichas de muitas séries para comparar os conjuntos e ginastas, mas eu não esperava uma avaliação tão positiva para nosso conjunto. Por isso, de antemão, eu queria dar os parabéns para as pessoas envolvidas com o treinamento do conjunto, e em especial Camila e Bruna, que carregaram essas meninas junto com tantas outras pessoas que certamente as ajudaram ao longo dessa temporada. E um parabéns para as nossas meninas, que entraram para encher o nosso coração de orgulho no tablado do mundial.
Mas agora, voltamos à nossa programação habitual.
Como tem sido todo o ano para o conjunto, nós fizemos uma competição com falhas, contudo, dessa vez as meninas não deixaram que os erros fossem grandes o bastante para destruir o que de bom elas fizeram dentro de quadra. E pela primeira vez na história o nosso conjunto entrou entre os 5 melhores do mundo, feito que repetiu na final dos cinco arcos, mostrando que o trabalho está aí, e deu resultados.
Se poderíamos ter chegado no pódio? Não tenho dúvida alguma disso. O esporte é uma caixa de surpresas e essas séries poderiam ter alcançado melhores resultados ainda, especialmente sem as falhas no exercícios de fitas e bolas. Mas competição é sempre impossível de prever, e certamente eu não teria previsto esses resultados com certeza alguma, mesmo sabendo da possibilidade deles.
Aliás, as meninas fizeram o papel delas, especialmente na final. Não acho que seria fácil entrar no pódio, mas elas se colocaram ali prontas para esperar o deslize de alguém. A Bulgária caiu, mas a Espanha não, por isso ficamos em quarto. Mas quem pode saber o que acontece da próxima vez?
Alguns podem dizer que esses resultados foram alcançados sem dois conjuntos fortes, mas nossas notas ficaram competitivas com outros conjuntos muito importantes, como Itália e Bulgária. Sem falar que passaram pelo crivo da arbitragem, e mostraram que o crescimento ao longo do ano também esteve ali.
Acredito também que a jornada da nossa série de arcos foi concluída com sucesso nesse mundial, e na minha opinião, essa rotina deveria ser mudada para o ano que vem. Já o misto, que foi performado em competição apenas uma vez sem falhas grandes, deveria passar por mais reformulações e retornar para o ano Pan-Americano. Especialmente por ser uma série que foi muito elogiada em todos os lugares que passou.
E o que esperar das nossas ginastas para o futuro?
Eu espero que cada vez mais se possa trocar experiências e ideias entre técnicas, a fim de melhorar ainda mais a nossa competitividade dentro do meio da GR. Temos chance de estar entre os cinco melhores times do mundo, na competição por equipes onde as notas do individual e do conjunto são somadas. Temos chances de pegar finais, tanto no individual como no conjunto, e também de carimbar o passaporte olímpico já no ano que vem. Acho isso tudo muito possível, porém, não existe garantia de nada.
Não sabemos se a guerra irá acabar logo e a FIG encontrará uma brecha para incluir Rússia e Belarus de volta nos campeonatos. Não sabemos se mais ginastas e conjuntos irão subir de nível e nos alcançar, ou nos passar. Não temos controle sobre nada do que acontece em outros países. Porém, essa experiência do mundial tem que mostrar que os técnicos aqui do Brasil sabem fazer GR. E é necessário e essencial que todos continuem no caminho, e cresçam mais ainda. Não se pode fechar os olhos para a evolução de outros países e depois correr atrás do tempo perdido, como se fez muito em anos passados. Não se pode, em momento algum, fingir que se é o melhor sem fazer por merecer—porque vale muito mais a pena mostrar um trabalho bem feito e ser premiado em uma banca neutra.
P.S.: Um abraço a todos que colaboram com opiniões, dicas e apoio. E um belo aceno aos que ainda procuram um bode expiatório para culpar pelas minhas opiniões.